Adulação e demonização: materialidade versus moralidade

Há séculos e séculos, nós construímos — e nossa diversidade no ambiente construído global é prova disso. As muitas culturas diferentes por todo o planeta já construíram de muitas maneiras diferentes ao longo da história, adaptando materiais encontrados localmente às suas estruturas. Hoje, em nosso presente globalizado, os materiais de construção são transportados por todo o globo, longe de suas origens, uma situação que significa que dois edifícios em lados completamente opostos do planeta podem ser mais ou menos similares. 

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Enquanto a profissão de arquiteto se torna mais e mais formalizada, e a categorização de "movimentos" arquitetônicos se tornou mais hegemônica, um entendimento mais amplo dos elementos arquitetônicos também emergiu entre o público geral. Há um consenso, por exemplo, sobre qual tipologia de construção irá receber escritórios, ou, em alguns países, quais elementos visuais diferenciam habitações de alto nível das moradias sociais. 

Mas o que é ainda mais interessante é como certos materiais são celebrados e demonizados - e como isso depende muito da consciência climática e de interpretações divergentes sobre materiais de construção por vários contextos. 

O exemplo mais óbvio de um material de construção que convida a esse tipo de conversa é o concreto. A revolução industrial trouxe a invenção do concreto reforçado, e o final do século XIX viu um aumento no uso de estruturas de concreto reforçado, enquanto a tecnologia era aperfeiçoada. O primeiro arranha-céu de concreto reforçado foi construído em 1903, no estado norte-americano de 1903, no entanto, pelo menos no contexto norte-americano, havia uma resistência do público ao concreto enquanto material de construção, por conta de sua "apatia percebida". Essa percepção se alterou após um terremoto destruir a cidade de San Francisco em 1906, e o El Campanii – um edifício de concreto reforçado construído dois anos antes - sobreviveu. O concreto, então, renasceu como um material resistente, forte e confiável, e as regulações de construção em San Francisco foram alteradas para incentivar seu uso.

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Ingalls Building. Image © Warren Lemay

Os meados do século XX testemunharam uma evolução quase constante da arquitetura modernista. Os arquitetos experimentaram, e o concreto continuou a crescer em popularidade. Formas mais radicais, esculturais, se tornaram mais populares, em estruturas como o Pavilhão Phillips, na Expo 58, que ressaltou o potencial do concreto para a expressão arquitetônica. Esse foi o surgimento do período brutalista, no qual a reputação do concreto disparou.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Reino Unido estava em necessidade urgente de desenvolvimento urbano. A oferta de habitações estava em baixa, e os projetos estavam sendo elaborados por planejadores e arquitetos para abordar esse problema. O que seguiu foram projetos que, até hoje, dividem opiniões, e seus materiais de escolha podem ter algo a ver com isso. A maioria das moradias britânicas do pós-guerra são de inspiração brutalista, com blocos de habitações de alta densidade sendo considerados uma solução para abrigar a população britânica.

Mas alguns projetos foram altamente impopulares. O Brunswick Centre, no distrito londrino de Bloomsbury, antes de seu redesenvolvimento nos anos 1990, era criticado como uma "monstruosidade de concreto". A Trellick Tower, de Ernő Goldfinger, se tornou um imã de vandalismos e crimes, uma situação que indicava que o concreto era considerado ainda mais desfavorável como material de construção.

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Brunswick Centre. Image © George Rex
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Trellick Tower. Image © Ethan Nunn

Essa associação do concreto como um material de construção para habitações de baixa renda no Reino Unido traz adiante uma distinção interessante entre como os materiais são vistos de maneira diferente dependendo de seus contextos. Moradias anteriormente independentes feitas de blocas de cimento de areia ou concreto na Tanzânia, por exemplo, são símbolos de status naquele contexto: um material forte, firme, uma marca de permanência quando comparados com outros materiais associados com habitações mais temporárias.

Como os materiais de construção são recebidos em diferentes países se torna ainda mais complicado quando a percepção de um material se difere de como ele é visto dentro de uma região, a como ele é visto fora daquela região. No contexto tanzaniano e da África Oriental, por exemplo, os telhados de palha são raramente utilizados para moradias, e muitos que tem recursos para fazê-lo, optam por casas de blocos de cimento de areia. No entanto, os telhados de palha são simultaneamente uma escolha popular de design entre lodges de luxo situados próximos a parques nacionais - muitos dos quais buscam atrair turistas ocidentais. Isso compõe uma dinâmica interessante, onde um material de construção pode ser considerado uma marca de status social baixo, mas ao mesmo tempo pode ser elogiado como uma arquitetura sensível ao que é local, uma vez inserido em um contexto de hotel luxuoso.

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Exterior of Maasai House - vernacular architecture dwelling of Maasai tribe with an incorporation of modern materials. Image © Fanny Schertzer under the Creative Commons  Attribution-Share Alike 3.0 Unported  license.
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Jabali Ridge Lodge. Image © Stevie Mann

Enquanto o setor avalia como "construir de maneira mais verde", é importante que os materiais de construção sejam avaliados em seus contextos. O vencedor do Prêmio Pritzer de 2022, Francis Kéré, por exemplo, se desvencilhou de ser conhecido apenas como "o arquiteto da lama", dizendo apenas que "responde ao briefing do cliente". Assim como na antes odiada Trellick Tower, que foi reformada e se tornou um símbolo de luxo - um indício do quão certamente os materiais são difamados, apenas por conta de seus principais usuários. É um fenômeno complexo sobre como os materiais de construção, em alguns exemplos, se tornam substitutos para os valores.

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Sobre este autor
Cita: Maganga, Matthew. "Adulação e demonização: materialidade versus moralidade " [Adulation and Demonisation: Materiality vs. Morality ] 05 Abr 2022. ArchDaily Brasil. (Trad. Belo, Pedro) Acessado . <https://www.archdaily.com.br/br/979111/adulacao-e-demonizacao-materialidade-versus-moralidade> ISSN 0719-8906

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